sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Jarboe

Numa altura em que surge "Mahakali", indubitavelmente o melhor trabalho da sua carreira a solo, recupero a entrevista feita a Jarboe em Junho de 2005, aquando da edição de "The Men Album".


O Desígnio da Vida

Chegámos a contacto com Jarboe, neste que se avizinha ser um ano fértil para os seus admiradores. Da reedição de alguns dos seus discos a solo, passando pelo lançamento do novíssimo “The Conduit” e por um disco duplo em colaboração com grandes nomes, conseguimos captar-lhe algumas palavras ainda de cariz mais pessoal e emotivo, se não mesmo introspectivo, acerca da sua carreira e dos Swans.


Quando questionada sobre a decisão de agora reeditar algum do seu material a solo, Jarboe responde que tal se deveu aos pedidos que já vinha recebendo há algum tempo. “Os fãs pediram as reedições por isso decidi fazê-las antes que alguma editora pirata se antecipasse. Para compreender a trajectória dos Swans e do meu percurso a solo é necessário ouvir a História.” De facto, estas reedições percorrem trabalhos feitos ainda no tempo dos Swans, tal como a eclética estreia a solo com “Thirteen Masks”, até ao período pós-separação que culmina com o magistral “Anhedoniac”. Mas, para uma banda que terminou há quase dez anos, o culto continua bem vivo e uma nova geração de ouvintes perpetuará o mito. “Sim, sei que existe uma nova geração de fãs de Swans. Deparo-me com ouvintes novos várias vezes quando dou concertos ou quando recebo mensagens no site.”

Umas das bandas que nunca escondeu a sua admiração pelos Swans são os Neurosis. As duas bandas partilham a mesma atitude, a mesma vontade de criar algo da forma menos cerebral e mais sentida possível. A colaboração de Jarboe com a banda californiana, em 2003, serviu como revelação de algo que agora nos parece óbvio. O disco mostrou uma simbiose quase perfeita entre as duas partes e terá também certamente despertado o interesse na reedição de alguns trabalhos a solo de Jarboe. “Com certeza que sim. Trabalhar com os Neurosis, seja no disco ou nos seis concertos esgotados que demos juntos foi uma bênção. Adorei todos os momentos e acho-os espantosos, sempre achei. Temos muito em comum e partilhamos esta atitude perante o Som.”

“This album is dedicated to all former members of Swans 1982 – 1997 For Michael R. Gira I will always remember I will always love you”
Anhedoniac, 1998

Com a separação dos Swans, Jarboe via acabar a banda a que tinha dedicado grande parte da sua vida. “Anhedoniac” foi a terapia que encontrou para superar a perda. Com inúmeras referências a Gira e aos Swans ao longo do disco, “Anhedoniac” vê Jarboe assumir diferentes papéis, numa prestação vocal extremamente versátil. Sedutora, inocente, demoníaca, todos os adjectivos se adequam. Quisemos saber como se sente em relação a este disco. “Amo-o e odeio-o, simultaneamente. É o trabalho mais visceral até à data e provoca-me sempre uma reacção poderosa e emocional.” Criminosamente fora de circulação, este álbum que tinha sido apenas disponibilizado através do site da artista está agora disponível ao público com as fotos da polémica sessão de Richard Kern, onde a vemos nua com um cinto de castidade e body painting. “Tive problemas não só com as fotos como também com as letras. Só à terceira gráfica contactada é que consegui que o trabalho fosse feito. Este disco marcou o final de um projecto ao qual dediquei catorze anos da minha vida. Quis, por isso, que fosse um disco muito forte, não só musical como visualmente.”

O disco seguinte não teve, para já, honras de reedição, mas não é por isso que é menos relevante na carreira de Jarboe. “Disburden Disciple” foi auto-editado a partir do meu site, www.thelivingjarboe.com. Poderá vir a ser reeditado num futuro não muito distante mas, por agora, está apenas disponível através do site”. Quanto ao papel do álbum no seu percurso: “Foi parcialmente gravado em Israel, onde me desloquei por razões espirituais íntimas e, conceptualmente, constituía um passo em frente para sarar algumas feridas e acalmar o desassossego [Disburden] crescente em mim, a discípula [Disciple]. Se “Anhedoniac” foi o disco da doença, “Disburden Disciple” foi o álbum da cura.”

“I am fortunate enough to have an awareness of purpose for my life (...) What is this life? Why do I do music? Why is my work born from a deep well of reflection and emotion?”

Jarboe encara a sua Arte com um sentido de missão. Crê numa espécie de pré-destinação do indivíduo. Segundo a própria: “Acredito que nascemos com determinadas características inerentes à nossa estrutura genética que determinam as nossas inclinações na vida. Se reflectirmos de tempos a tempos vemos como a nossa vida se revela perante nós. Ao indivíduo cabe manifestar as suas propensões pré-determinadas. Podem revelar-se em termos simbólicos, como no meu caso, ou de outra forma. Nasci para estar ao serviço dos outros e isso parece-me claro hoje em dia.” Mas tratar-se-á de um dom? Ou uma maldição, talvez... “Nenhuma das coisas em concreto. Parte mais de como olhas para a tua vida, da tua própria atitude perante as coisas. “We see things as we are, not as they are.” (Anais Nin)”

Esta entrevista teve lugar no dia em que morreu o poeta Eugénio de Andrade. A comoção que atravessa a opinião pública sempre que se perde um grande vulto da nossa cultura tem sempre uma ponta de falsidade já que, no momento da morte, mesmo os indiferentes à sua obra, tornam-se admiradores de longa data. Conseguirá Jarboe estabelecer o paralelismo com o fim dos Swans? “Hmm... sim, talvez. Costuma dizer-se absence makes the heart grow fonder.” O distanciamento permitiu-lhe reflectir sobre o seu passado e a importância dos Swans no seu percurso pessoal. “A experiência de trabalhar sozinha e em colaboração com outras pessoas durante alguns anos trouxe-me uma visão mais realista do meu trabalho nos Swans e, especificamente, com o Michael Gira. Percebo agora como essa experiência me deu uma disciplina tremenda e tornou extremamente exigente comigo própria. Quando estamos demasiado próximos de algo não conseguimos ver as coisas com exactidão. É preciso afastarmo-nos para poder apreciar inteiramente uma obra de Arte.” E nos outros? Terão alguns músicos a noção do impacto que causam na vida das pessoas? Há discos que nos marcam profundamente; cruzamo-nos com eles em determinada altura das nossas vidas e acompanham-nos para sempre, ou perduram como recordação desse tempo. Avaliando o impacto que os seus discos provocam nas pessoas: “Todos os trabalhos em que estive envolvida têm um fundo de honestidade. Partem da confiança e eu respeito muito o meu público, o que me permite receber o seu respeito de volta. Sinto uma responsabilidade muito grande perante mim própria e relativamente ao que meu trabalho a solo e com os Swans representa para as pessoas, por isso continuo a tentar atingir infindáveis possibilidades. Estou ao serviço dos outros e sei que o meu trabalho teve significado e ajudou-os em certas alturas das suas vidas. Sei disto porque tenho abertura perante o meu público, e não se inibem de partilhar comigo os seus pensamentos e sentimentos. Cheguei à conclusão de que canalizo algo no meu trabalho. Recebo muita emoção e energia dos outros e dou-a de volta ao passo que a recebo. Sou a sua voz. É por isto que terei um disco de edição limitada a sair em Julho, chamado “The Conduit”. Os membros da minha mailing list enviaram-me nomes, palavras ou textos que depois cantei, falei ou que, de alguma forma, exprimi no disco.”

“The Conduit” é um dos trabalhos que podemos aguardar com alguma expectativa no futuro próximo mas o grande álbum que se segue é “The Men”. Jarboe levantou a pontinha do véu. “The Men” é um projecto em que tenho estado a trabalhar há seis anos. Consiste em alguns duetos ou colaborações com uma variedade de músicos, maioritariamente masculinos, com quem fiquei intrigada. É um álbum duplo, um mais rock oriented e o outro mais beat, mais atmosférico e experimental. Alguns desses artistas são Steve Von Till, Blixa Bargeld, Alan Sparhawk, Chris Connelly, Percy Howard...”

Mais uma dessas colaborações é com o guitarrista Nic Le Ban, que tem acompanhado Jarboe vai para dois anos. Apesar de relativamente recente, esta parceria revela uma grande simbiose musical e laços afectivos fortes. Será justo comparar esta relação, no aspecto artístico, com a que teve com Michal Gira? “Conheci Nic Le Ban em 2003, quando estava em tournée. Tornámo-nos amigos e agora colaboradores a nível musical. Eu e o Michael estivemos juntos durante 14 anos. São circunstâncias e dinâmicas inteiramente diferentes. O Nic tem a sua própria energia, que é diferente de qualquer força energética com que eu alguma vez tenha estado em contacto. É um extraordinário e original músico e estou muito confiante no nosso trabalho juntos. A sua energia é “a” razão por que eu estou nesta posição com a música. Sempre que se trabalha intimamente com alguém em música, entra-se por uma porta que nos leva a um lugar desconhecido e que pode ser um lugar fantástico e cheio de vida. O Nic levou-me a um lugar desses. Ele vai comigo à Europa na tournée de Outubro e continuará no futuro. “The Conduit” é uma colaboração musical entre mim e ele. As letras são de Joshua Fraser, da The Living Rumor subscription list e minhas.


“There is no time for loving life. There is no time for hating death. There is only time. There is only time to believe... to believe me.”
“To Forget”; in The Men

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