sexta-feira, 22 de abril de 2011

Neurosis - O Som da Tempestade


Os últimos discos de Neurosis foram marcados por uma interacção de extremos, através da intensa exploração das dicotomias luz/escuridão, presença/ausência e peso/suavidade, jogando com os contrastes. “The Eye Of Every Storm” mostra-nos um colectivo no auge da maturidade, descobrindo um vasto terreno entre os polos anteriormente explorados, a fazer emergir uma nova faceta da personalidade musical de Neurosis. Conversámos com Steve Von Till sobre este surpreendente novo disco.

É curioso notar que, sempre que sai um novo disco de Neurosis, o mesmo é considerado o vosso melhor de sempre. E isso acontece igualmente com “The Eye Of Every Storm”.

Isso deve-se ao compromisso que temos connosco próprios de tentarmos ser sempre o mais originais possível. De cada vez que compomos um disco estamos mais velhos e mais experientes e o nosso propósito é aproximarmo-nos cada vez mais desse fogo interior que guia a nossa música. Existe um nível espiritual a que nos sentimos elevados quando fazemos música juntos e, se tentarmos pensar o mínimo possível nisso e deixarmos levar-nos pela música, acreditamos que melhor esta se torna. Penso que é esse acumular de experiência tocando juntos que nos permite ultrapassar-nos a nós próprios cada vez que escrevemos um novo disco.

Não sei se concordas mas este disco parece-me, eventualmente, o mais acessível ao público em geral.

Talvez, no sentido em que tem mais melodia e não estamos a gritar durante a maior parte do tempo. Consigo concordar contigo mas não é, de modo algum, easy-listening. Continua a exigir muito por parte do ouvinte mas é um disco com muita fluência. Mantém os elementos de ruído e dissonância mas apresenta-os de uma forma mais musical e, talvez até, mais subtil, de certa forma purificando a atmosfera das canções, levando o ouvinte a querer estar dentro do som – em contraposição a um som mais abrasivo, que leva o ouvinte a querer despegar-se do som.

Ao mesmo tempo é também um disco assaz intenso e emocionalmente muito forte.

Concordo. Vem provar que ter um som alto e distorcido, com guitarras Rock durante todo o tempo não é a única nem a mais eficiente forma de ser pesado. Existem outras formas bastante mais eficientes de atingir essa intensidade.

O que significa o título “The Eye Of Every Storm” e em que medida representa o disco e o próprio conceito Neurosis?

Poderá ter inúmeras interpretações e significados, todos eles com a sua validade. Em relação à faixa com o mesmo nome, tem a ver com a necessidade de estarmos no âmago do nosso próprio Ser – ser quem devemos ser, ser quem somos, compreendermos o que nos faz ser quem somos e lidar harmoniosamente com isso, em vez de estarmos a lutar contra a nossa própria natureza. Encontrarmos essa essência interior, essa espiritualidade individual. Do ponto de vista musical, é a capacidade de nos mantermos focados nesse centro, independentemente de todo o caos que o rodeia, e encontrar esse momento de paz. Em termos de Neurosis, poderíamos ver o título como a própria banda, que tem sido o centro de toda a nossa vida adulta. É através dela que todas as nossas energias passam para o mundo. Não imagino a minha vida sem Neurosis – é parte essencial dela e, ao sermos privados dessa parte vital, nunca poderíamos continuar a sentirmo-nos realizados enquanto seres humanos.

Como uma espécie de complemento ao vosso trabalho em Neurosis desponta o projecto Tribes Of Neurot. Como nasceu?

Tribes Of Neurot nasceu como uma espécie de resposta à revelação que tivemos de que a nossa música lidava com conceitos espirituais complexos que eram maiores do que nós, necessitando de mais do que uma banda Rock para se manifestarem. Ficámos com a ideia de que nos deveríamos expandir e usar várias formas de Arte; de início optámos por explorar mais o Som e as representações visuais mais abstractas. Este projecto é uma boa forma de explorarmos o Som na sua forma mais pura, desprovida de todos os componentes de uma banda de Rock e, para isso, trabalhamos com diversos artistas que possam trazer novas perspectivas. E o objectivo é mesmo estender isso a todas as formas de expressão possíveis.

No DVD “A Sun That Never Sets” fizeram uma experiência gravando várias vezes a mesma gravação. Explica-nos um pouco melhor isso.

No final dos anos 80, alguém me mostrou um disco de Alvin Lucier em que ele faz essa mesma experiência, em 1970. Já era um grande entusiasta pela música experimental na altura mas nunca tinha ouvido nada que fosse tão acusticamente puro: trata-se de uma sala com pessoas a conversar, e o som vai sendo gravado. Posteriormente, essa gravação é reproduzida na mesma sala e novamente gravada. Este processo é repetido por várias gerações de fitas, reduzindo lentamente o som original às suas frequências mais primárias. Pensámos que, conceptualmente, essa seria uma experiência interessante a fazer com um álbum inteiro, pois tem tantas frequências diferentes, tanta dedicação e intensidade postas nele que questionámo-nos se conseguiria preservar a espiritualidade que tem se se reduzisse apenas à sua ressonância. O resultado é como olhar para uma célula de uma folha e verificar que é praticamente idêntica à própria folha.

Há pouco falaste nos conceitos espirituais com que a vossa música lida. Poderias aprofundar um pouco mais?

Não é fácil expressar isso por palavras. Se eu tivesse o dom da palavra, seria escritor e não músico. É difícil falar nisso, mas... trata-se de explorar o facto de sermos conscientes, de sermos o único animal com capacidade – dom ou maldição – de reflexão e contemplação do Universo; de como é ser uma pessoa com emoções, pensamentos e sentimentos; de qual é o nosso espaço na Humanidade, na nossa própria evolução – onde estivemos, para onde vamos e como é que estas questões se relacionam com as nossas dúvidas interiores e inquietações. Lida também com a vida e a morte – a nossa própria mortalidade e a ideia de alma; com todo o alcance da emoção humana – da alegria à depressão. Não ter medo de enfrentar os nossos demónios e, similarmente, não ter medo de auferir o belo. É tudo isso e muito mais, misturado numa grande trip psicadélica. [risos] É uma vida inteira de meditação interior através do Som.

Sei que és professor. Em que medida é que a tua profissão te serve como uma inspiração para criar?

Tudo aquilo com que nos deparamos inspira a nossa música pois esta é sobre a vida, a todos os níveis. A música ensinou-me muito sobre a forma de estar com as pessoas e de respeitar as suas diferenças, sobre a complexidade da mente humana e da maneira que pessoas com diferentes experiências de vida lidam com as coisas. Viajar e ver tantos sítios diferentes também me trouxe muito conhecimento e só consegui isso através da música. O contacto que tenho com jovens, enquanto professor, também me ensina muita coisa. Em primeiro lugar e, sobretudo, ensina-me a ser paciente. É um desafio constante para mim manter-me concentrado. Ensina-me também a ser mais afectuoso e a manter a capacidade de ser maravilhado pelas coisas simples da vida. Muitos adultos já não conseguem sentir-se impressionados pelo mundo.

No final do ano passado Neurosis editaram um disco em colaboração com Jarboe, a carismática ex-vocalista dos Swans. Steve falou-nos do processo criativo desse trabalho.

Nós alterámos todo o nosso processo criativo, pois não queríamos compor um disco de Neurosis para ela depois pôr, simplesmente, a sua voz por cima. Improvisámos sobre diferentes sons e ritmos, fazendo um corte e costura de diferentes sequências e colocando algumas partes de guitarra e sintetizadores em algumas passagens. Decidimos orientar-nos mais em termos de ritmos e loops do que propriamente em guitarras. Enviámos os resultados para a Jarboe, que contribuiu com as suas vocalizações, enviando-nos depois ela o seu material. Ficámos tão impressionados com o que ela fez que optámos por trabalhar um pouco mais nas músicas, desta vez encontrando um rumo na voz e improvisando sobre ela, conforme tínhamos feito antes com o ritmo. Surgiram-nos algumas ideias novas que depois adicionámos à música. Ficámos muito satisfeitos com o resultado final.

Killing Joke - Hossana nas Alturas



Falar de Killing Joke é falar de uma das mais importantes bandas dos últimos 30 anos. Figuras marcantes do período pós-Punk, a sua influência é reconhecida por bandas como Nine Inch Nails, Metallica, Tool ou Nirvana. Após um bom álbum homónimo em 2003 – quebrando um interregno de sete anos desde Democracy –, surge agora Hosannas From The Basements Of Hell, um disco mais primitivo, em toada back to basics, mas que vem trazer novo interesse à carreira dos Killing Joke. O Under ligou para Praga e falou com o excêntrico Jaz Coleman.

Jaz Coleman é senhor de uma das mais versáteis e interessantes carreiras musicais da actualidade. Além de líder e fundador dos Killing Joke, tem desenvolvido um importante trabalho a nível de composição clássica e na condução de orquestras sinfónicas. Fez adaptações neo-clássicas de trabalhos dos The Doors e Pink Floyd, colaborações com Sarah Brightman, Natasha Atlas, entre outros, e que já lhe valeram alguns milhares de discos vendidos e três Grammies em 2002. Acumulou funções na Orquestra Sinfónica de Praga (e agora de Sidney) e foi responsável pela alteração da letra do hino nacional da Nova Zelândia, de Inglês para o Maori tradicional. Lendária é também a sua relação com os jornalistas. Jaz já fez coisas tão bizarras como mandar entregar camiões cheios de estrume em redacções, responder a entrevistas em idiomas inteiramente engendrados por ele, ou até mesmo despejar vísceras de animais na secretária de um jornalista da Kerrang – a propósito de uma crítica negativa. Foi também essa a revista que atribuiu aos Killing Joke o prémio Lifetime Achievement de 2005. Por tudo isto, é impossível não ficar um pouco ansioso antes de conversar com Jaz, mas logo ao primeiro minuto fiquei rendido à sua simpatia e sonora gargalhada. Segue-se a conversa tal como aconteceu, sem cortes.

Jaz, como é que uma banda com mais de 25 anos de actividade grava um dos melhores discos da sua carreira? Achaste importante dar esta prova de vitalidade depois de um DVD comemorativo?

Sim, porque existem tantas bandas actualmente a reunirem-se pelas razões erradas e nós nunca nos separámos, fomos sempre fazendo música e sempre com um factor de vitalidade e inovação, caso contrário nem nos daríamos ao trabalho. Tenho mais que fazer com o meu tempo. Mas fico surpreso. Se me dissessem, quando tinha 17 anos e começámos esta banda, que 28 anos depois estaria ainda a gravar discos – sim, porque este é o nosso 28º ano, não percebo porque quiseram fazer uma festa de 25 anos no ano passado –, não acreditaria. Tem sido uma jornada incrível e a nossa popularidade tem sido bastante consistente ao longo dos anos. Não estamos na big league mas sem dúvida que deixámos a nossa marca na história da música.

E este disco tem recebido reacções entusiastas.

Excelentes reacções! Gravámos tudo num pequeno estúdio merdoso, numa adega em Praga, com gravadores de 16 pistas, sem Pro Tools nem nada dessas merdas modernas. Voltámos atrás no tempo com esta gravação low-tech e eu adorei a experiência. Acho que o disco tem uma atmosfera muito boa. Não tem um daqueles sons massivos, com dúzias de guitarras – gravámos cada instrumento numa pista, inclusive a bateria. Divertimo-nos bastante, bastava ir para estúdio e começar a tocar e o resultado é o que se ouve – é muito cru e muito directo. Acho que está na altura das bandas baixarem as despesas nas gravações e divertirem-se um pouco mais no processo, em vez de tentarem ter estes sons cheios, “à americana”, que todos procuram hoje em dia.

Sim, e consegue sentir-se essa atmosfera de boa disposição no disco.

Foi uma fase completamente insana. Foi o primeiro ano em que toda a banda começou a viver em Praga e somos praticamente todos vizinhos uns dos outros. Víamo-nos todos os dias e aconteciam sempre loucuras. Praga é uma cidade de excessos e de boémia. A cerveja é mais barata que água e há mulheres lindíssimas por aqui, como podes imaginar. No período em que gravámos este disco houve três grandes discussões e três gravidezes! [gargalhada]

Este é um disco de Praga?

Definitivamente, é mesmo um disco de Praga. Alguma vez aqui estiveste?

Ainda não. Mas o teu texto que vem no booklet do CD corresponde exactamente à imagem que eu tenho de Praga.

Conseguiste ler? Foda-se, eu tenho de aumentar as dioptrias dos meus óculos porque não consegui ler uma única palavra. É um lugar muito estranho e místico e tem uma aura muito negra também mas, mesmo assim, acho que é a cidade mais bonita da Europa. E é uma cidade que nunca teve guerra e por isso toda a sua arquitectura antiga está completamente intacta, desde o século XII ou até antes. Um excelente sítio para vires com a tua namorada. Ou não! [gargalhada] Se calhar é melhor vires sozinho.

Este disco também teve uma fase de preparação muito particular. Visitaram algumas zonas de conflito em busca de inspiração.

Sim, estive em Beirute e gravei as cordas da terceira faixa em Tashkent no Uzbesquistão, dias depois de um grande motim que resultou nas forças policiais a abrirem fogo sobre a multidão, matando muitas pessoas. Depois estive em Taiwan, onde escrevi algumas letras. Sente-se lá uma atmosfera muito estranha, sente-se a China mesmo do lado de lá da água. Estive também na Bolívia mesmo antes de Evo Morales subir ao poder e sentia-se que podia haver uma revolução a qualquer momento. Fui a estes sítios para sentir a atmosfera mas o que tirei daí não foi o que eu pensava. Percebi que, mesmo estando o planeta moribundo, há um elemento de celebração no disco. Ainda não estamos mortos por isso vão-se foder e divirtam-se. [risos] “Comam, bebam e casem-se”, é o que eu costumo dizer, e estejam com as pessoas que amam. Há coisas que não podemos mudar e já nem temos peixe no mar! Eu lembro-me de ver, quando era miúdo, grandes peixes no mar enquanto nadava, e agora desapareceram todos. Isto é muito triste e, para ser honesto, ainda bem que não nasci mais tarde. Pode parecer uma coisa estranha de se dizer mas eu pelo menos posso dizer que vi a Terra quando ainda era bonita.

Compreendo perfeitamente o que dizes. Já estive em África e vi pessoas que, apesar de viverem em pobreza extrema e em guerra, são felizes e conseguem ver um lado positivo em tudo. Não sei se concordas com isto...

Concordo totalmente. Como disse, acho que o mais importante na vida é estarmos com as pessoas que amamos. Basta atravessarmos o Mediterrâneo até ao Norte de África e verificamos que as relações entre familiares e amigos são muito mais próximas do que aqui no Ocidente, onde mandamos os nossos velhos morrer para lares de terceira idade, para que nos possamos esquecer deles. Tenho de concordar contigo e faz-me pensar no que quero fazer na segunda fase do meu trabalho com os Killing Joke. Tenho uma ilha na costa da Nova Zelândia, onde vou começar uma eco-aldeia. Não quero apenas uma, tenciono criar outra no Chile. Serão locais onde irão desenvolver-se recursos sustentáveis e onde posso convidar as pessoas a ficar, trabalhando cinco horas por dia na terra. Estou a pensar num mundo quando houver um crash económico como na Argentina, onde metes um cartão numa caixa automática e não sai dinheiro. Estou a tentar pensar à frente e responder a este tipo de crise. A porção de terra que tenho tem floresta mas também tem três cursos de água – e a água será mais cara que o petróleo muito em breve. Fala-se em fábricas de dessalinização da água do mar, tornando-a potável, mas o problema é que mexem na água do mar e voltam a atirá-la para os oceanos e matam toda a vida no mar, causando uma catástrofe ecológica. Isso já está a acontecer agora mas não acho que seja já o fim. Penso que a Terra vai passar por grandes mudanças, muitas pessoas vão sofrer e morrer mas não acho que seja já a extinção. Acho que os nossos corpos se vão adaptar às mudanças climáticas...com a ajuda de alguma engenharia genética. [gargalhada]

Voltando ao disco, no primeiro tema, “This Tribal Antidote”, falas da experiência que é um actuação de Killing Joke. Cito: “not a concert show or entertainment. A temple, a ritual, a festival of dissident kindred spirits exchange and listen.”

Claro que é muito mais do que um concerto, tornou-se mais numa filosofia. Deixa-me pôr as coisas deste modo: já estive com muitas pessoas que gostam de Killing Joke quando estão a morrer – literalmente a morrer – e, nessa segunda fase dos Killing Joke, quero dedicar-me a uma nova espiritualidade. Absolutamente! Queremos reescrever os livros antigos, inserir novos comentários na Bíblia e noutras peças de literatura datadas, que ainda são relevantes nesta era moderna. A família nuclear está desfeita, quase todas as pessoas que conheço provêm de uma família com apenas um dos pais, acho que existe toda uma nova sociologia. Isto não são coisas que eu quero apenas escrever, quero mesmo criar duas comunidades que vivam segundo isso. É a isto que eu chamo a segunda metade do trabalho dos Killing Joke e já começámos a trabalhar em tornar os nossos sonhos realidade. Aquilo que eu quero fazer no futuro, além de conduzir orquestras e compor, é fazer tournées de palestras e debates com pessoas por todo o mundo, acompanhado por um tradutor. Quero falar com pessoas comuns, sem posses, discutir com elas como podemos dar resposta às mudanças que o mundo atravessa.

É um projecto ambicioso.

Claro que é ambicioso! Toda a gente dizia que eu era louco quando queria ter uma ilha em 81, 82 e agora tenho uma. Dizia que queria conduzir orquestras mas não podia porque não tinha formação. Obtive essa formação e agora faço-o. Tudo é possível e eu sou a prova viva disso, meu amigo! [gargalhada]

No DVD comemorativo dos 25 anos há uma entrevista contigo, na qual me impressionou a maneira como falas dos membros da tua banda. Existem mesmo laços muito fortes entre vocês.

Sim, sem dúvida. Ás vezes ficamos fartos de nos vermos, o que é normal, e todos somos livres de partir e fazermos os nossos projectos, mas temos esta ligação familiar entre nós. E até antigos membros de Killing Joke, como o Youth e o Big Paul, todos se mantêm em contacto, e nunca sabemos se no próximo disco será o Youth a tocar baixo, o Big Paul pode aparecer e tocar bateria... nunca sabemos, mas é sempre o mesmo grupo de pessoas. Mas estou sempre eu e o Geordie, somos os anciãos. [risos]

E vocês envolvem-se mesmo em confrontos físicos?

Sim, normalmente sou apenas eu e o Geordie. Tivemos três pegas mesmo feias no ano passado, por isso estou a tentar controlar melhor o meu temperamento este ano. Mas continuamos a ser os melhores dos amigos. Mesmo depois de andarmos à porrada tomamos chá juntos. Quando estás com um tipo há 28 anos e ele começa a chatear-te a cabeça e a meter-se contigo, é impossível a coisa não resultar em violência. E quando ele bebe duas garrafas de vodka e começa a ser chato, eu simplesmente arreio-lhe! [gargalhada]

Tudo isso contribui para alguma controvérsia e folclore à volta da tua pessoa.

Sim, nem acreditas nas histórias que já ouvi sobre mim. Já li coisas inacreditáveis. Algumas são verdade mas outras são completamente falsas, por isso se queres perguntar-me quais são verdade e quais são mentira, fica à vontade.

Queria apenas que nos contasses qual a coisa mais bizarra que já inventaram sobre ti.

Deixa-me pensar... Uma vez, estava a fazer uma conferência de imprensa em Paris e um jornalista levantou-se e perguntou-me: “Jaz Coleman, porque praticas a necrofilia?” [gargalhada] Mas não percebo muito bem por que inventam tanta coisa sobre mim. Não uso computadores ou e-mail, sou um tipo recluso mas se alguém quiser falar comigo depois de um concerto, sou um gajo acessível e que fala com toda a gente, apenas não uso formas modernas de comunicação. Tenho uma vida algo reclusa entre Praga, Nova Zelândia e, às vezes, Suiça.

Li que vens de uma longa tradição de excêntricos ingleses como Aleister Crowley.

Mentiria se dissesse que não estive envolvido na tradição templária e ritualista mas... se gostaria que Aleister Crowley tomasse conta das minhas filhas? Não! [gargalhada] Vejo nele um personagem muito interessante e é um dos muitos mágicos cujo trabalho estudei, mas acho que o homem representava a falência da moral. Foi um de muitos e ainda mantenho contacto com esta comunidade de pessoas, apesar de ter saído de algumas ordens templárias. Hoje em dia tento apenas viver bem comigo próprio. O conhecimento não te traz felicidade, meu amigo.

És também o director da Orquestra Sinfónica de Praga...

Não, acabei o meu contrato com eles e vou começar com a Orquestra Sinfónica de Sidney por um ano. Ainda vou fazer alguns concertos com a Filarmónica checa mas depois começo com a de Sidney para a nova época.

Vais então mudar-te para a Austrália?

Não, vou lá apenas para os concertos. Vou estar na Nova Zelândia e é um voo de apenas três horas para lá. Não conseguiria viver na Austrália. Lá só existem cidades horríveis, deserto, cobras venenosas e crocodilos, por isso podes ficar com isso para ti. [gargalhada] Fica em Portugal, que tens uma vida melhor. É verdade! Vamos tocar em Barcelona na próxima sexta-feira, se quiseres vir eu meto-te na guest list.

Ena, obrigado! Adoraria ir mas não será possível. Acho que terei que me contentar em ir ver o Roger Waters, que vai tocar o Darkside Of The Moon todo.

A sério? Pergunto-me como é que o resto da banda [Pink Floyd] se sentirá em relação a isso.

Ouvi dizer que foram convidados, mas recusaram. O único que mostrou alguma abertura foi o Nick Mason, que vai tocar em alguns concertos.

[gargalhada] O Waters é um gajo muito difícil. E eu que pensava que tinha problemas na minha banda! [gargalhada] Fuckin’ rockstars! Apesar de ser ele quem recebe o dinheiro todo, é o bastardo mais miserável à face da Terra. Eu fiz uma sinfonia baseada na música dos Pink Floyd, que vendeu 1,6 milhões de discos nos EUA e o Waters foi quem teve de dar autorização para editarmos esse disco – e só o fez para poder fazer pirraça aos outros membros do grupo. Ele não é um homem feliz. Conheço muitos destes rockstars mais velhos... um amigo meu viu o Jimmy Page há alguns dias a andar de autocarro com passe social. Como já tem 65 anos, tem passe social como os pensionistas. E é milionário, o bastardo! [gargalhada]

E para os Killing Joke, o que se segue?

Há muitas coisas interessantes a acontecer. O filme sobre os Killing Joke será finalizado muito brevemente, vai-se chamar The Death And Ressurection Show e tem imagens dos Killing Joke dentro das Grandes Pirâmides [onde foram gravadas algumas partes de voz no disco Pandemonium, de 1994] e muitas histórias engraçadas. É a história dos Killing Joke e é interessante saber o que acontece no final ao entrevistador e autor de toda a pesquisa, pois a sua vida acaba também por mudar. Estamos muito excitados com o projecto, e deve estar cá fora até ao final do ano. É agradável deixar a condução de uma orquestra e entrar na loucura dos Killing Joke, gosto destes extremos.

Jaz, muito obrigado pelo teu tempo. Foi um prazer conversar contigo.

O prazer foi todo meu, Ricardo. E bebe algum vinho verde por mim, que não o bebo há séculos. Tenho de ir a Lisboa e vamos comer fuckin’ sardines e vinho verde. Adoro sardinhas mas, como deves calcular, não há sardinhas em Praga! [gargalhada]

Hatebreed - Supremacy



HATEBREED
Supremacy

CD’06 . Roadrunner / Universal

Ao seu quarto trabalho, a banda de Jamey Jasta apresenta uma vulgar demonstração de poder, maturidade, raiva e perseverança. Nunca os Hatebreed soaram tão coesos e focados nem gravaram tão devastadora colecção de canções. Em boa verdade, Hatebreed é como sexo. Quando é bom, é fantástico e quando é mau, não deixa de ser bom. Desenvolvendo a analogia de mau gosto, poderá considerar-se o debute Satisfaction Is The Death Of Desire como sexo na adolescência: algo novo, rápido e que deixa vontade para mais. Não raras vezes acaba em coito interrompido – quando os temas começam a dar pica, acabam. Perseverance e The Rise Of Brutality é sexo matrimonial: excelente ao princípio mas a dada altura começa a fartar e apetece mudar – ao sexto tema troca-se de CD. Mas Supremacy é uma orgia na mansão da Playboy: são todas boas (as músicas), todas têm algo de diferente e excitante e nunca farta (o octogenário Heffner que o diga). Será necessário regressar até Vulgar Display Of Power para encontrar tão arrasador conjunto de canções, com tão fortes e inspiradoras letras: “Defeatist” serve de mote – “this is my hatred, this is my vow never to be broken” –, “Mind Over All” um manifesto Hardcore à la Cro-Mags – “no limit to what can be acheived”) –, “To The Threshold” é esmagadora – “this is more than a battle-cry, it’s the blood of our lifeline flowing faster” – e “Destroy Everything” dá mesmo vontade de fazer o que o seu título sugere – “destroy everything so a new life can begin”. Este é um disco que lhes saiu da pele, em que se sente o cheiro a adrenalina a cada nota debitada e nem mesmo os mais acérrimos detractores poderão negar a sua brutal honestidade. 4,5 RA

Rwake - Voices Of Omens



RWAKE
Voices Of Omens
CD’07 . Relapse / Mastertrax

“Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por estas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência”. – Efésios (cap. V, v. 6.). Como um grito de desespero de uma América profunda, ostracizada e temente a Deus, Voices Of Omens é um disco grandioso, lúgubre, dramático e apocalíptico. Colérico como o Velho Testamento, demonstrando todo o carácter sulista, seduzido pelo sludge pantanoso e bastardo de uns Neurosis fase Souls At Zero, não estranho ao melhor Doom e Black Metal. Mas quando para muitos bastam as referências, os Rwake digerem-nas, assimilam-nas e oferecem algo deveras original. Voices Of Omens está repleto de temas monstruosamente épicos, riffs hipnóticos e melodias arrepiantes. Interlúdios monocromáticos são balanceados com as partes mais abrasivas e, embora se mantendo a primazia destas, funcionam eficientemente como quebras após os riffs repetitivos e profanos. Raro é encontrarmos uma introdução que realmente nos transporte à realidade onde se situa o álbum, mas esta cumpre o seu papel introdutório na perfeição, servindo como momento iniciático à negritude de “The Finality”. Negras composições que carregam a herança cultural de um Sul não esquecido, estrangulado pela apertada fivela do Bible Belt. Filhos da desobediência, esta é a vossa voz. 4,4 RA

Flashbacks

Tenho por aqui muitos textos em arquivo, sendo que irei recuperar alguns deles neste blog, tentando injectar alguma vida no seu corpo moribundo.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Será... ?

...que isto ainda bomba?

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

... mesmo!

Afinal não foi só a Decibel e a Terrorizer a fazerem capa. Melhor ainda!