sexta-feira, 22 de abril de 2011

Neurosis - O Som da Tempestade


Os últimos discos de Neurosis foram marcados por uma interacção de extremos, através da intensa exploração das dicotomias luz/escuridão, presença/ausência e peso/suavidade, jogando com os contrastes. “The Eye Of Every Storm” mostra-nos um colectivo no auge da maturidade, descobrindo um vasto terreno entre os polos anteriormente explorados, a fazer emergir uma nova faceta da personalidade musical de Neurosis. Conversámos com Steve Von Till sobre este surpreendente novo disco.

É curioso notar que, sempre que sai um novo disco de Neurosis, o mesmo é considerado o vosso melhor de sempre. E isso acontece igualmente com “The Eye Of Every Storm”.

Isso deve-se ao compromisso que temos connosco próprios de tentarmos ser sempre o mais originais possível. De cada vez que compomos um disco estamos mais velhos e mais experientes e o nosso propósito é aproximarmo-nos cada vez mais desse fogo interior que guia a nossa música. Existe um nível espiritual a que nos sentimos elevados quando fazemos música juntos e, se tentarmos pensar o mínimo possível nisso e deixarmos levar-nos pela música, acreditamos que melhor esta se torna. Penso que é esse acumular de experiência tocando juntos que nos permite ultrapassar-nos a nós próprios cada vez que escrevemos um novo disco.

Não sei se concordas mas este disco parece-me, eventualmente, o mais acessível ao público em geral.

Talvez, no sentido em que tem mais melodia e não estamos a gritar durante a maior parte do tempo. Consigo concordar contigo mas não é, de modo algum, easy-listening. Continua a exigir muito por parte do ouvinte mas é um disco com muita fluência. Mantém os elementos de ruído e dissonância mas apresenta-os de uma forma mais musical e, talvez até, mais subtil, de certa forma purificando a atmosfera das canções, levando o ouvinte a querer estar dentro do som – em contraposição a um som mais abrasivo, que leva o ouvinte a querer despegar-se do som.

Ao mesmo tempo é também um disco assaz intenso e emocionalmente muito forte.

Concordo. Vem provar que ter um som alto e distorcido, com guitarras Rock durante todo o tempo não é a única nem a mais eficiente forma de ser pesado. Existem outras formas bastante mais eficientes de atingir essa intensidade.

O que significa o título “The Eye Of Every Storm” e em que medida representa o disco e o próprio conceito Neurosis?

Poderá ter inúmeras interpretações e significados, todos eles com a sua validade. Em relação à faixa com o mesmo nome, tem a ver com a necessidade de estarmos no âmago do nosso próprio Ser – ser quem devemos ser, ser quem somos, compreendermos o que nos faz ser quem somos e lidar harmoniosamente com isso, em vez de estarmos a lutar contra a nossa própria natureza. Encontrarmos essa essência interior, essa espiritualidade individual. Do ponto de vista musical, é a capacidade de nos mantermos focados nesse centro, independentemente de todo o caos que o rodeia, e encontrar esse momento de paz. Em termos de Neurosis, poderíamos ver o título como a própria banda, que tem sido o centro de toda a nossa vida adulta. É através dela que todas as nossas energias passam para o mundo. Não imagino a minha vida sem Neurosis – é parte essencial dela e, ao sermos privados dessa parte vital, nunca poderíamos continuar a sentirmo-nos realizados enquanto seres humanos.

Como uma espécie de complemento ao vosso trabalho em Neurosis desponta o projecto Tribes Of Neurot. Como nasceu?

Tribes Of Neurot nasceu como uma espécie de resposta à revelação que tivemos de que a nossa música lidava com conceitos espirituais complexos que eram maiores do que nós, necessitando de mais do que uma banda Rock para se manifestarem. Ficámos com a ideia de que nos deveríamos expandir e usar várias formas de Arte; de início optámos por explorar mais o Som e as representações visuais mais abstractas. Este projecto é uma boa forma de explorarmos o Som na sua forma mais pura, desprovida de todos os componentes de uma banda de Rock e, para isso, trabalhamos com diversos artistas que possam trazer novas perspectivas. E o objectivo é mesmo estender isso a todas as formas de expressão possíveis.

No DVD “A Sun That Never Sets” fizeram uma experiência gravando várias vezes a mesma gravação. Explica-nos um pouco melhor isso.

No final dos anos 80, alguém me mostrou um disco de Alvin Lucier em que ele faz essa mesma experiência, em 1970. Já era um grande entusiasta pela música experimental na altura mas nunca tinha ouvido nada que fosse tão acusticamente puro: trata-se de uma sala com pessoas a conversar, e o som vai sendo gravado. Posteriormente, essa gravação é reproduzida na mesma sala e novamente gravada. Este processo é repetido por várias gerações de fitas, reduzindo lentamente o som original às suas frequências mais primárias. Pensámos que, conceptualmente, essa seria uma experiência interessante a fazer com um álbum inteiro, pois tem tantas frequências diferentes, tanta dedicação e intensidade postas nele que questionámo-nos se conseguiria preservar a espiritualidade que tem se se reduzisse apenas à sua ressonância. O resultado é como olhar para uma célula de uma folha e verificar que é praticamente idêntica à própria folha.

Há pouco falaste nos conceitos espirituais com que a vossa música lida. Poderias aprofundar um pouco mais?

Não é fácil expressar isso por palavras. Se eu tivesse o dom da palavra, seria escritor e não músico. É difícil falar nisso, mas... trata-se de explorar o facto de sermos conscientes, de sermos o único animal com capacidade – dom ou maldição – de reflexão e contemplação do Universo; de como é ser uma pessoa com emoções, pensamentos e sentimentos; de qual é o nosso espaço na Humanidade, na nossa própria evolução – onde estivemos, para onde vamos e como é que estas questões se relacionam com as nossas dúvidas interiores e inquietações. Lida também com a vida e a morte – a nossa própria mortalidade e a ideia de alma; com todo o alcance da emoção humana – da alegria à depressão. Não ter medo de enfrentar os nossos demónios e, similarmente, não ter medo de auferir o belo. É tudo isso e muito mais, misturado numa grande trip psicadélica. [risos] É uma vida inteira de meditação interior através do Som.

Sei que és professor. Em que medida é que a tua profissão te serve como uma inspiração para criar?

Tudo aquilo com que nos deparamos inspira a nossa música pois esta é sobre a vida, a todos os níveis. A música ensinou-me muito sobre a forma de estar com as pessoas e de respeitar as suas diferenças, sobre a complexidade da mente humana e da maneira que pessoas com diferentes experiências de vida lidam com as coisas. Viajar e ver tantos sítios diferentes também me trouxe muito conhecimento e só consegui isso através da música. O contacto que tenho com jovens, enquanto professor, também me ensina muita coisa. Em primeiro lugar e, sobretudo, ensina-me a ser paciente. É um desafio constante para mim manter-me concentrado. Ensina-me também a ser mais afectuoso e a manter a capacidade de ser maravilhado pelas coisas simples da vida. Muitos adultos já não conseguem sentir-se impressionados pelo mundo.

No final do ano passado Neurosis editaram um disco em colaboração com Jarboe, a carismática ex-vocalista dos Swans. Steve falou-nos do processo criativo desse trabalho.

Nós alterámos todo o nosso processo criativo, pois não queríamos compor um disco de Neurosis para ela depois pôr, simplesmente, a sua voz por cima. Improvisámos sobre diferentes sons e ritmos, fazendo um corte e costura de diferentes sequências e colocando algumas partes de guitarra e sintetizadores em algumas passagens. Decidimos orientar-nos mais em termos de ritmos e loops do que propriamente em guitarras. Enviámos os resultados para a Jarboe, que contribuiu com as suas vocalizações, enviando-nos depois ela o seu material. Ficámos tão impressionados com o que ela fez que optámos por trabalhar um pouco mais nas músicas, desta vez encontrando um rumo na voz e improvisando sobre ela, conforme tínhamos feito antes com o ritmo. Surgiram-nos algumas ideias novas que depois adicionámos à música. Ficámos muito satisfeitos com o resultado final.

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